quinta-feira, 21 de junho de 2012

MEMÓRIAS DE QUE ME QUEIXO 1 - Os pequenos vagabundos


Da minha criação não encontrei ninguém que se recordasse de uma série que passava na RTP1 ao sábado depois de almoço! Durante alguns anos, não percebia como era possível o pessoal da minha rua e da escola, não se recordarem dos episódios e das aventuras admiráveis de “Os pequenos vagabundos”. Era uma das minhas maiores recordações de infância, o que eu brinquei com a minha irmã aos pequenos vagabundos!! E malta não se recordava de nada!?!?!? 

- E tinhas televisão?  - Perguntava eu, incrédulo!!   

Os pequenos vagabundos foi uma série falada em Francês, que passou na TV portuguesa após Abril de 1974, que era muito similar aos livros de “Os cinco” de Enid Blyton.  

Lembro-me particularmente de um belo sábado, em que os meus pais e o meu irmão mais velho tinham ido trabalhar para a horta, eu ter ficado sozinho em casa com a minha irmã (com 11 anos) a tomar conta de moi, l’enfant terrible que já contabilizava 4 primaveras, três delas morosamente vividas debaixo da longa noite fascista.

 Após mais um episódio dessa série magnífica, a minha irmã perguntou-me se eu queria ir brincar aos pequenos vagabundos para o nosso quintal. 

Os meus lábios tocaram as orelhas de exultação e sem hesitações respondi:

- Sim!!! Vamos!!!

A minha irmã refreou-me os ânimos ao dizer-me que iria preparar as coisas, para lancharmos após a nossa aventura de simulação do assalto ao Castelo que tínhamos visto há momentos na TV

Resignado e impaciente esperei que ela acabasse tais preparativos  

Fomos para o quintal, tínhamos uma escada (tipo as escadas de alumínio que existem hoje em dia) mas feita de madeira, que dava acesso a um terraço, desprotegido, sem varandins ou coisa que o valha! O nosso castelo estava ali, e tal e qual como no filme tínhamos que o escalar usando cordas, porque era assim que eles tinham feito no episódio. 

A minha irmã subia pela escada e era a rapariga que tinha sido fechada no castelo por um bando de malfeitores. Eu, bem, eu era o herói que a iria salvar, trepando pela parede do castelo auxiliado por uma corda tal e qual tínhamos visto.

Enredo criado e combinado, a minha irmã subiu para o terraço, pela escada, retirou a escada para cima do terraço e mandou-me a corda para atar à minha cintura com nó de correr (à cowboy) e, como eu era pequenino, ela puxava-me para cima do terraço. 
Claro que eu só era pequenino para subir a parede com a corda, uma vez lá em cima…. Dava cabo deles todos e salvava a minha irmã!.

Tudo pronto! Luzes!! ACÇÃO
(N.A. - naquele tempo ainda não havia acordo ortográfico, pelo que acção era mesmo assim, era acção)

Mana em cima do terraço com a corda nas mãos, eu cá em baixo apertado com o laço da corda na barriga e vamos a isto!

Os primeiros 10 ou 20 cm foram conforme o planeado, agora os restantes 230 ou 240 cm é que não estavam no guião! 
A minha irmã puxava, o laço apertava-me na barriga e dolorosamente alcancei sensivelmente  metade da subida que deveria efectuar. 
A minha irmã, após algum tempo, estava já cansada e com receio de me deixar cair, ainda tentou – em vão – alguns esforços para me fazer subir, mas sem sucesso. 
Eu comecei a chorar com dores, pois o laço apertava cada vez mais a minha barriga, a minha irmã a ficar sem forças e a não querer me largar para eu não cair, foram momentos aflitivos. Acredito hoje, que tenham sido mais para ela do que para mim.  
Até que por fim, a minha irmã - discorreu - que as poucas forças que ainda tinha e que as usava para me manter naquela agonia, poderia usá-las para me deixar descer lentamente até alcançar terreno sólido debaixo dos pés!! 

A aventura durou tanto ou tão pouco, que o leite que tinha sido deixado ao lume para ferver e que se destinava ao lanche dos aventureiros, ferveu, entornou, esturricou literalmente a cafeteira de alumínio, deixando-a completamente queimada e sem mais utilidade. 

Um cheiro a queimado, emanava daquela cozinha como se de incêndio de grandes proporções se tivesse tratado e estivéssemos na fase do rescaldo.  

Aliviado, mas assustado pelo que se tinha passado na cozinha, ainda fui ameaçado pela minha irmã e coagido a contar aos meus pais que tinha lanchado bem, e tinha bebido o leite todo!! Senão!! 
Não imagino o que me aconteceria, mas aqueles “senãos” que me diziam na altura significava algo muito mau e que eu não queria conhecer. 
Claro que quando comecei a andar na escola primária, aprendi que o “senão” era simplesmente um advérbio e respirei de alívio.

Após a chegada do patriarcado a casa, obviamente uma das primeiras perguntas foi:

- Então lanchaste bem? Comeste tudo?

Aquele “senão” ecoava-me na cabeça e respondi que sim, mas a minha barriga estava cá com uma larica… nesse dia, tive a minha primeira lição budista, e aprendi como a mente se sobrepõe ao corpo!!

Com o passar dos anos, comecei-me a aperceber que na realidade só me lembrava de um episódio, do tal episódio do assalto ao castelo. E sempre que tentava fazer alguém recordar-se desta série, só conseguia falar deste episódio.

Só quando comecei a estudar psicologia na secundária, é que compreendi a razão de eu me lembrar dos pequenos vagabundos e de mais ninguém da geração de 70, se lembrar de tal coisa.  

Claro! Afinal havia uma razão para eu me lembrar tão bem daquele episódio dos pequenos vagabundos, lembrava-me pela experiência traumática que tive! 

Embora nunca no passar dos anos eu a considerasse traumática ou má!

Ainda hoje é uma maravilhosa recordação que guardo da minha infância e que a compartilho com a minha irmã! 

2 comentários:

  1. mas eu também me lembro e a coisa, parece-me, até uma explicação mais prosaica e simples - ainda que acredite que, no teu caso, o trauma seja uma das razões da memória -, é que ambos tínhamos irmãs mais velhas, e eram elas quem viam e gostavam dos pequenos vagabundos, enquanto que, a maioria, dos nossos colegas e amigos eram eles próprios irmãos mais velhos, sem ninguém que lhes "aconselhasse" a ver uma série juvenil falada em francês.
    pedro

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  2. bom dia Pedro! sim, se calhar isso é verdade, mas acredita que tenho amigos - com quem andei na escola - com irmãs mais velhas e que também não se lembravam de terem visto os pequenos vagabundos!
    um abraço

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